segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Nem tudo é o que parece ser - Em defesa dos banqueiros

Em recente post no twitter o senador Cristovam Buarque fez a seguinte declaração: “Teoria eco diz q sal'ario reflete produtividade.Quem produz mais, executivo de financeira ou professor de criancas?” (sic).  Ele me fez pensar sobre todas as pessoas que criticam banqueiros e financistas em geral. Em rodas de amigos, em novelas, em filmes e em vários outros lugares, financistas são classificados como seres frios e que ganham muito dinheiro às custas dos outros. Quanto disso é verdade e quanto disso é lenda?


Taxas de Juros
Todos sabem que sou muito crítico em relação ao nível das taxas de juros brasileiras e a algumas características do sistema bancário brasileiro (veja o post ‘De onde vem o lucro dos bancos’). Se você visitar a seção do blog ‘Mercado de Taxas’ verá que os juros cobrados mensalmente das pessoas físicas e jurídicas no Brasil são altíssimas. Dados do Banco Central indicam que a taxa média dos bancos brasileiros (Taxa de Aplicação Geral – PF e PJ) é de 39,49% ao ano. A princípio achamos a taxa elevada, porém, estamos olhando apenas a “fonte de receita” dos bancos. Para sermos justos, precisamos comparar também com as linhas de “custo”.
Se compararmos um banco como uma indústria, teríamos basicamente as mesmas contas para gerar o resultado: custo do produto vendido, impostos, inadimplência e despesas. A única diferença é que o produto do banco é dinheiro. Vamos separar estas contas para analisarmos onde está o problema, de fato.
CPV - Custo do Produto Vendido
O custo do produto vendido para uma instituição financeira é o seu “custo de captação”, ou seja, quanto o banco está pagando para quem empresta dinheiro para ele trabalhar. Este custo no Brasil está atualmente na faixa dos 10,64% ao ano (Taxa de Captação Geral). Se compararmos com a taxa média de empréstimo dos bancos de 39,49% (Taxa de Aplicação Geral), temos um spread (diferença ou ganho para o banco) de 28,85%. Note que este custo de captação tem uma correlação direta com a taxa básica de juros brasileira (taxa Selic) que na prática determina o custo de oportunidade de qualquer negócio no Brasil, portanto, quanto menor a taxa Selic, menor seria o custo do banco – consequentemente, menor seria a taxa de juros para o cliente final.
Mas o custo das empresas não acabam por aí e do banco também não.
Inadimplência
Além do custo da mercadoria vendida, qualquer indústria também tem uma inadimplência prevista dos seus clientes. Nos bancos não é diferente. Considerando uma inadimplência de 10% do sistema financeiro (títulos que vão virar prejuízo), o spread bancário ou a sua margem de resultados, cairia de 28,85% para 23,30% - assumindo uma operação média de 3 anos de duração.
E o leitor pode se perguntar: mas muitos empréstimos tem uma garantia real por trás que o banco pode “tomar” caso o devedor não pague. Sim, isto é correto porém temos aqui outro problema crônico do Brasil: a ineficiência do sistema jurídico. Os processos de recuperação são lentos e muito caros. Apesar dos avanços da nova lei de falências, os processo de recuperação judicial são muito morosos e ainda dependem da cabeça do juiz que as conduz – isso pode ser muito bom ou muito ruim – o que é certo é que quando se fala em dinheiro, incerteza é igual a taxa de juros.
Outros custos
Dos 23,30% de “ganho” que ainda sobra para os bancos, deve-se ainda contemplar os seguintes custos:
(i)          Custos de Recuperação: valores gastos com cobradores, advogados, localizadores e outros serviços necessários para diminuir a inadimplência no menor nível possível;
(ii)         Custos regulatórios: A regulação bancária brasileira é uma das mais eficientes no mundo, mas também bastante onerosa. Por exemplo, bancos são obrigados a manter um nível mínimo de capital próprio em relação ao seu total de ativos. Isso implica em diminuição na remuneração dos seus ativos totais;
(iii)        Outros custos operacionais: manutenção e segurança de internet banking, ampliação da área de atendimento das agências, gestão de risco operacional, entre outros; e
(iv)        Impostos.
No final deveríamos ter um spread bancário (o ganho do banco) abaixo dos 23,30% ao ano que, na verdade, é bastante comparável com o ganho de qualquer outra indústria.
RESUMINDO, posso criticar os banqueiros ou não?
O leitor deve estar se perguntando: ok, estou convencido de que ter um banco não é fácil mas todos os semestres eu leio que os bancos brasileiros são os mais lucrativos do mundo – isso não significa ter banco no Brasil é o melhor negócio do mundo?
Para responder a esta pergunta, sugiro analisarmos um outro indicador chamado ROAE (Return On Annualized Equity), em português: Retorno Anualizado Sobre o Patrimônio Líquido. Em termos práticos, é quanto um dono de banco consegue remunerar o seu capital próprio ao ano.
Recentemente, a revista Exame publicou reportagem dizendo que Banco do Brasil, Itaú e Bradesco tinham os maiores ROAE do mundo entre as instituições financeiras.

Isso é verdade, porém, como é o SETOR BANCÁRIO como um todo no Brasil? Vejamos o mesmo indicador para todos os bancos de capital aberto (dados retirados dos balanços das companhias):



BancoROAE
Itaú / Unibanco22,7%
Bradesco22,4%
Banco do Brasil22,4%
Banrisul21,6%
Pine17,3%
Santander16,9%
ABC Brasil16,2%
Mercantil do Brasil16,0%
Daycoval15,4%
Bic Banco13,9%
Cruzeiro do Sul13,5%
Paraná Banco8,9%
Panamericano5,8%
Indusval5,2%
Sofisa2,0%
3 primeiros22,5%
Média - Outros Bancos12,7%

Note que apesar de termos bancos que realmente tem uma remuneração sobre o seu capital elevada, muitos outros bancos tem taxas comparáveis com indústrias da “economia real” e, às vezes, até menor. Como comparação o mesmo indicador para empresas não-financeiras: Ambev (31%), Petrobras (14,7%) e Vale (31,95%). Veja que Ambev e Vale tem retorno sobre o patrimônio maior do que qualquer banco brasileiro. Ressalto ainda que há bancos que tem uma remuneração pífia (2% ao ano), por exemplo. Ou seja, há casos e casos...
O problema não é o setor bancário brasileiro, mas sim a concentração de 3 bancos assim como temos problema com concentração em varejo, frigoríficos, cervejeiras, etc. Não por coincidência, os 3 maiores ROAE correspondem a um market-share de mais da metade do setor inteiro (55,8% do mercado segundo o Sisbacen).

Decompondo a taxa de juros cobrada pelos bancos, vemos que nem tudo
é ganho dos bancos.

A minha conclusão é que banqueiros não são o problema e nem a solução. Eles são apenas resultado de algumas ineficiências que o país apresenta não só no setor financeiro mas em todos os outros.

Ao invés de criticarmos banqueiros, deveríamos sim apontar o dedo e cobrar soluções para:
1.     Excesso de concentração bancária: 3 bancos dominando o mercado;
2.     Taxa Selic elevada: Juros do governo elevados geram aumento do custo de captação bancário e consequente repasse para clientes;
3.     Ineficiência jurídica: Dificuldade para recuperar créditos inadimplidos, altos custos com advogados e cobradores, imensa lentidão do jurídico causando demora na recuperação e incerteza para os bancos;
4.     Educação financeira: População financeiramente educada consome com mais inteligência, é menos inadimplente e consegue opções de financiamento mais baratas;
5.     Transparência na taxa de juros: Um dos objetivos da seção ‘Mercado de Taxas’ é dar ao consumidor mais informação para comparar as taxas das suas operações com a de outros bancos do mercado.

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